terça-feira, 14 de dezembro de 2010
sonhei
dançavam com suas vassouras pela rua
e faziam assim montes de folhas
onde se podia fechar os olhos
e se jogar pra trás.
domingo, 28 de novembro de 2010
cataclismo dionisíaco interno
bacantes que são,
se esfregam nas sinapses
que sentem desejo,
sem pensar,
provocando uma espécie de
cataclismo dionisíaco interno.
domingo, 21 de novembro de 2010
estudo
medindo seus olímpicos diâmetros
através dos meus internos parâmetros
de apreciação.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
terça-feira, 3 de agosto de 2010
sábado, 3 de julho de 2010
sábado, 19 de junho de 2010
implosão
arrastei alguns cds no chão do quintal
afoguei a plantinha
escrevi na parede
dormi de maquiagem
implodi meu coração
você não chegou a tempo de assistir
mas pode ficar com as ruínas se quiser.
domingo, 6 de junho de 2010
mais uma vez
me deixo ser levada
por essa sensação mundana, humana, barata
de acreditar que só posso viver plenamente na alegria
se você estiver por perto.
quarta-feira, 2 de junho de 2010
.
domingo, 23 de maio de 2010
alma
que se tudo de excesso for retirado
sobra só uma alma essencial
disseram que a perna retirada sente
a perna do outro
os dedos perdidos sentem os dedos
ainda vivos do outro
será que se perdermos todo o corpo
sentiremos a alma do outro?
quarta-feira, 12 de maio de 2010
sábado, 8 de maio de 2010
mãe
quinta-feira, 29 de abril de 2010
segunda-feira, 26 de abril de 2010
a lua quase
segunda-feira, 19 de abril de 2010
no canto
quinta-feira, 15 de abril de 2010
sexta-feira, 9 de abril de 2010
ventrículo
segunda-feira, 29 de março de 2010
sexta-feira, 26 de março de 2010
sábado, 20 de março de 2010
aos publicitários
sexta-feira, 12 de março de 2010
segunda-feira, 8 de março de 2010
sábado, 6 de março de 2010
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
ode aos gatos
Bichos polêmicos sem o querer, porque sábios, mas inquietantes, talvez por isso. Nada é mais incômodo que o silencioso bastar-se dos gatos. O só pedir a quem amam. O só amar a quem os merece. O homem quer o bicho espojado, submisso, cheio de súplica, temor, reverência, obediência. O gato não satisfaz as necessidades doentias do amor. Só as saudáveis.
Lembrei, então, de dizer, dos gatos, o que a observação de alguns anos me deu. Quem sabe, talvez, ocorra o milagre de iluminar um coração a eles fechado? Quem sabe, entendendo-os melhor, estabelece-se um grau de compreensão, uma possibilidade de luz e vida onde há ódio e temor?
Quem sabe São Francisco de Assis não está por trás do Mago Merlin, soprando-me o artigo?
Já viu gato amestrado, de chapeuzinho ridículo, obedecendo às ordens de um pilantra que vive às custas dele? Não! Até o bondoso elefante veste saiote e dança a valsa no circo. O leal cachorro no fundo compreende as agruras do dono e faz a gentileza de ganhar a vida por ele. O leão e o tigre se amesquinham na jaula. Gato não. Ele só aceita uma relação de independência e afeto. E como não cede ao homem, mesmo quando dele é dependente, é chamado de arrogante, egoísta, safado, espertalhão ou falso.
"Falso", porque não aceita a nossa falsidade com ele e só admite afeto com troca e respeito pela individualidade. O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser.
O gato devolve ao homem a exata medida da relação que dele parte. Sábio, é espelho. O gato é zen. O gato é Tao. Ele conhece o segredo da não-ação que não é inação. Nada pede a quem não o quer.
Exigente com quem ama, mas só depois de muito certificar-se. Não pede amor, mas se lhe dá, então ele exige.
Sim, o gato não pede amor. Nem depende dele. Mas, quando o sente,é capaz de amar muito. Discretamente, porém sem derramar-se. O gato é um italiano educado na Inglaterra. Sente como um italiano mas se comporta como um lorde inglês.
Quem não se relaciona bem com o próprio inconsciente não transa ogato. Ele aparece, então, como ameaça, porque representa essa relação precária do homem com o (próprio) mistério. O gato não se relaciona com a aparência do homem. Ele vê além, por dentro e pelo avesso.
Relaciona-se com a essência. Se o gesto de carinho é medroso ou substitui inaceitáveis (mas existentes) impulsos secretos de agressão, o gato sabe. E se defende do afago. A relação dele é com o que está oculto, guardado, e nem nós queremos, sabemos ou podemos ver. Por isso, quando surge nele um ato de entrega, de subida no colo ou manifestação de afeto, é algo muito verdadeiro, que não pode ser desdenhado. É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento.
O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode (ele que enfrenta a própria solidão de maneira muito mais valente que nós). Se há pessoas agressivas em torno ou carregadas de maus fluidos, ele se afasta. Nada diz, não reclama. Afasta-se. Quem não o sabe "ler" pensa que ele não está ali. Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo. Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que nem sempre (ou quase nunca) sabemos traduzir.
O gato vê mais e vê dentro e além de nós. Relaciona-se com fluidos, auras, fantasmas amigos e opressores. O gato é médium, bruxo, alquimista e parapsicólogo. É uma chance de meditação permanente a nosso lado, a ensinar paciência, atenção, silêncio e mistério. O gato é um monge portátil à disposição de quem o saiba perceber.
Monge, sim, refinado, silencioso, meditativo e sábio monge, a nos devolver as perguntas medrosas, esperando que encontremos o caminho na sua busca, em vez de o querer preparado, já conhecido e trilhado. O gato sempre responde com uma nova questão, remetendo-nos à pesquisa permanente do real, à busca incessante, à certeza de que cada segundo contém a possibilidade de criatividade e de novas inter-relações, infinitas, entre as coisas.
O gato é uma lição diária de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exigem recolhimento, entrega, atenção. Desatentos não agradam os gatos. Bulhosos os irritam. Tudo o que precise de promoção ou explicação, quer afirmação. Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências. Ninguém em toda natureza aprendeu a bastar-se (até na higiene) a si mesmo como o gato!
Lição de sono e de musculação, o gato nos ensina todas as posições de respiração ioga. Ensina a dormir com entrega total e diluição recuperante no Cosmos. Ensina a espreguiçar-se com a massagem mais completa em todos os músculos, preparando-os para a ação imediata. Se os preparadores físicos aprendessem o aquecimento do gato, os jogadores reservas não levariam tanto tempo (quase 15 minutos) se aquecendo para entrar em campo. O gato sai do sono para o máximo de ação, tensão e elasticidade num segundo. Conhece o desempenho preciso e milimétrico de cada parte do seu corpo, o qual ama e preserva como a um templo.
Lição de saúde sexual e sensualidade.
Lição de envolvimento amoroso com dedicação integral de vários dias.
Lição de organização familiar e de definição de espaço próprio e
território pessoal.
Lição de anatomia, equilíbrio, desempenho muscular.
Lição de salto.
Lição de silêncio.
Lição de descanso.
Lição de introversão.
Lição de contato com o mistério, com o escuro, com a sombra.
Lição de religiosidade sem ícones.
Lição de alimentação e requinte.
Lição de bom gosto e senso de oportunidade.
Lição de vida, enfim, a mais completa, diária, silenciosa, educada,
sem cobranças, sem veemências, sem exigências.
O gato é uma chance de interiorização e sabedoria posta pelo mistério
à disposição do homem.
Esse "estudo" é da autoria de nosso finado senador Arthur da Távola que destoava da maioria dos políticos brasileiros. Ele era escritor, poeta, professor, jornalista e apresentador do excelente programa "Quem tem medo da música clássica".